sexta-feira, 5 de outubro de 2012


Enquanto as terras foram saqueadas
A chibata fazia som na pele cansada 
Mulheres tinham os seus ventres rasgados
Pelos senhores donos de terras e de  máscaras de pureza
E no banquete faltou
A pele que se fez som e o ventre rasgado

Alexandre Lucas

Um poema para Cristina Dunaeva*

Se o poema nem sempre precisa ser escrito
Deixaria a imagem transbordar
Na inocência das crianças
Que desconhecem
O funcionamento dos devaneios sociais
As injustiças operantes
E o preço de não comungar com a prepotência...
Deixaria a imagem como um molotov carregada de
ternura e de transformação
 para destruir os corações mofados e os véus da hipocrisia.

  Alexandre Lucas
*Cristina Dunaeva  é de origem Russa, professora de História da Artes do Curso de Artes Visuais da URCA e doutoranda. Detentora  de um exército de amigos que admiram a sua postura profissional e o seu carisma.      


Deixo um poema de despedida
Escrito no papel mofado do seu coração
deixo uma casa vazia
E um rei amarelo com seus jagunços de dentes de ouro
Guardando um caldeirão de sopa de vaco
Levo na mala uma bomba relógio
Nutrida de gritos abafados
Levo ainda uma foice afiada
E um martelo pesado
Um livro vermelho carregado de histórias proletárias
E de sonhos comuns.
Deixo apenas um poema de despedida
Enquanto ensaio a revolução nos terreiros do Brasil. 

Alexandre Lucas 

O poema vida
Embrulhou-se  nos lençóis de sonhos
Fez vinda e ida
Fez trincheira e guarita
Saiu pedalando sobre as nuvens
E dançando coco em cima  do sol
O poema vida é assim mesmo
Andarilho e guerreiro
Traquino, inesperado
Que sai dobrando vidro
e perfumando os caminhos com  lavanda de primavera.

Alexandre Lucas     

Definitivamente o homem chora
Quando o pão lhe falta
Quando os seus bolsos são furados
E as  esperanças se perdem 
Quando os seus amores não estão pertinho para acalentar
E o vago aproveitar para abraçar
O homem chora quando as luzes estão apagadas
E a casa em silêncio...
Neste instante
Em alguma casa velada pelo vazio 
Um homem duramente chora.

Alexandre Lucas 

Escolhi quebrar as estruturas
E  estourar as bolhas
Nas quais eu me guardava
Dançar com o fogo
Para ressuscitar a alma
Visitar os bosques
Conhecer os cheiros
E apreciar as estéticas florais
Aprender com o toque que afaga
E com a distância que aperta.  

Alexandre Lucas


Sou assim uma variante militante
Que busca o aconchego dentro da selva
Que arrebenta a selva para acomodar sonhos
Compreendo que meu trabalho estético artístico é indivisível à vida, por conseguinte à compreensão política
Notadamente ligada a minha camada:  popular, oprimida e explorada.  
Sou ambulância de provação, provocação  e polêmica
Convictamente sou docemente frágil
E  pássaro que  voa e diz que vai voar 
Liberto
Não tenho patentes de propriedade e
nenhuma  inscrição marcada a fogo no meu corpo 
Sou fiel as minhas crenças, crenças humanas 
Sinto frio, calor e tesão
Bato, corro e digo palavrão
Estudo,  pesquiso e experimento
Refaço, transformo e discuto
Não me faço de cego, nem de mudo
Recolho encontros e transtornos
Para sacolejar fitas de cetim e granadas
No meio do salão dos esconderijos da alma

Alexandre Lucas